A Família
Contemporânea: produto da organização social capitalista
A
família, reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como a “base da
sociedade” adquiriu, nos dias atuais, o status
de instituição merecedora de “maior proteção do Estado” (BRASIL, 1988).
A
família contemporânea, nascida com a industrialização que no Brasil ocorreu a
partir da segunda metade do século XX, encontra-se estruturada na organização
social capitalista, tendo se tornado unidade de consumo. Como consequência
dessa nova estrutura, a família se reduziu em número e se multiplicou em complexidade,
sofrendo transformações nas suas relações sociais, formas de composição,
funções e papéis.
A
contemporaneidade já não comporta a família numerosa que se tornou inconveniente,
onerosa e capaz de comprometer sua função provedora. Hoje, “se vive em uma sociedade de grande
diversidade em sua formação familiar, a contemporaneidade traz à tona uma nova
configuração familiar” (BENEDETTI, 2014).
Os
novos arranjos surgem da composição de famílias rompidas pelo divórcio ou
falecimento de um dos cônjuges, reunindo, numa nova família, os filhos das
uniões anteriores; formam-se ainda a partir de um dos cônjuges e sua prole;
avôs e avós responsáveis pela criação de netos; parentes em linha colateral
e/ou ascendentes que passam a compor a família e até mesmo famílias compostas
por casais de mesmo sexo.
A
base da família passa a ser o afeto que independe de gênero. É importante
perceber que as relações sociais, sejam elas de cunho afetivo ou não e
independentemente de orientação sexual, vêm se tornando cada vez mais frágeis,
uma vez que o individualismo esvazia os espaços coletivos e os indivíduos
buscam equivocadamente construir suas identidades no consumo não só de
mercadorias e produtos, mas também no consumo de informações, tecnologias,
sexo, etc., características do indivíduo hipermoderno, vivendo na
hipermodernidade (LIPOVETSKY apud CAMPOS,
2014).
Conforme
reportagem publicada no site brasil.org.br, a sociedade, “assiste hoje a um
notável crescimento profissional da mulher brasileira, seja por meio do próprio
negócio ou de uma atividade com carteira assinada” (2017). Segundo dados do
censo 2010, as mulheres chefiam 37,3% dos lares brasileiros (IBGE, 2010), o
que, segundo Benedetti (2014), evidencia claramente que “o processo de
industrialização e a necessidade produtiva alteram as relações familiares e os
papéis sociais da mulher na Família”. Um desses papéis, atribuídos à mulher,
dentro da família, é o de cuidadora – das crianças, idosos e deficientes –,
historicamente construído com base na sua propalada vocação. Por conta da
organização social vigente, tal papel torna-se incompatível com a mulher independente
do século XXI, já que tantas outras responsabilidades lhe foram acrescidas.
Para
preencher esta lacuna familiar, tão importante para a perpetuação da sociedade
e consequentemente, do sistema capitalista industrial, o Estado assume, através
das políticas públicas, parte das funções de proteção social da família:
Grande parte das funções antes exclusivas das
mulheres foi delegada ao Estado: creches, escolas, assistência social, saúde
entre outros papéis que antes pertenciam quase que exclusivamente à mulher/mãe
são divididos com o Estado, este último provê o bem estar das novas gerações
para que as famílias do presente possam produzir e as proles futuras
mantenham-se saudáveis física e psiquicamente, garantindo a reposição da força
de trabalho (BENEDETTI, 2014).
Entretanto,
em que pese o discurso oficial do Estado e o status alcançado pela instituição familiar de entidade a quem o
Estado dirige “especial proteção” (BRASIL, 1988), o que se verifica, de fato é
o caráter contraditório existente na relação entre família e Estado. Nas
palavras de Mioto:
[...] a
relação estabelecida entre família e Estado, ao longo da história, foi marcada
pela instauração do Estado como fonte de controle e elaboração de normas para a
família e pela construção de uma contraditória parceria no decorrer do tempo
para garantir a reprodução social (MIOTO, 2010:50-51).
Mioto (2010) entende que um dos pontos
principais constitutivos dos processos de assistência às famílias é a crença
ideológica que divide a família em dois grupos distintos: famílias capazes e
famílias incapazes (de prover a proteção social de seus membros). A capacidade
protetora da família ocorre via mercado, trabalho e organização interna e
quando esses elementos estão ausentes ou são ineficientes, a família é apontada
como incapaz, “desestruturada” ou vulnerável. Assim, é necessária uma
intervenção externa para garantir a proteção de seus membros que, via de regra,
implica na ação do Estado.
O
desenho das políticas sociais brasileiras, no âmbito do capitalismo, centraliza
no indivíduo, ou grupo específico (mulher, criança, adolescente, idoso), a
garantia dos direitos sociais, focalizando assim, necessidades individuais ou
que atendam a uma minoria.
Nessa
perspectiva, a família, tomada como esfera privada e indiferente à esfera
pública, torna-se apenas uma referência no âmbito das políticas sociais. As
relações entre estilos de vida, organização familiar e problemas sociais são
vistas apenas quando se manifestam como patologias e marginalidade e ameaçam a
estabilidade e a segurança social. (MIOTO, 2010:54)
Pela
perspectiva apresentada por Mioto (2010) a relação entre Estado e família
mostra-se contraditória e conflituosa, ao longo da História. A família, situada
na esfera privada não é considerada na totalidade de sua reestruturação face às
mudanças ocorridas nas últimas décadas. Por sua vez, o Estado, situado na
esfera pública, através dos operadores das políticas sociais, projeta sobre a
família um olhar impregnado pela ideologia arraigada ao modelo histórico
socialmente construído de família, enxergando nela, tão somente mudanças
superficiais que dizem respeito à sua composição e configuração, não
compreendendo que os sujeitos sociais envolvidos na relação familiar assumiram,
a partir da industrialização e urbanização, novos papéis e novas funções
decorrentes de mudanças profundas nos modos de vida, relações sociais e
finalidades da união afetiva, ou seja, na construção de um novo paradigma familiar
vigente em decorrência da organização social capitalista.
Carvalho
(2008) entende que o Estado moderno assumiu muitas das funções que antes eram
de responsabilidade exclusiva da família numa tentativa de descartá-la em
função da própria emergência como um Estado protetor dos direitos dos cidadãos,
face ao progresso, à informação, à urbanização e ao consumo. Nessa tentativa,
políticas públicas foram direcionadas ao indivíduo, em detrimento do coletivo
familiar. Apostou-se na extinção da família.
Na
contemporaneidade, entretanto, houve o reconhecimento da responsabilidade
coletiva pelo provimento do bem estar social da família.
[...] tanto a família quanto o Estado são
instituições imprescindíveis ao bom funcionamento das sociedades capitalistas.
Os indivíduos que vivem em sociedade necessitam consumir, além de bens e
mercadorias, serviços que não podem ser obtidos pela via do mercado. Para
alguns destes, dependem dos serviços públicos ofertados pelo Estado; outros
bens e serviços dependem da família, pela via de sua condição de provedora de
afeto, socialização, apoio mútuo e proteção. (CARVALHO, 2008:268)
Assim
como a família, a sociedade torna-se igualmente multifacetada, complexa e
contraditória. Ao mesmo tempo em que as pessoas estão conectadas entre si,
estão individualizadas e vulneráveis, vivendo numa sociedade capitalista que
por si só cria estas e tantas outras contradições. O Welfare State ou Estado de Bem Estar criado há cerca de vinte anos
dá lugar ao Welfare Mix,
caracterizado por uma combinação de recursos provenientes do Estado, do mercado
e da sociedade civil, da qual faz parte a família. No Welfare Mix a família torna-se mecanismo estratégico de intervenção
social via políticas públicas. (CARVALHO, 2008: 270).
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