Pobreza,
Vulnerabilidade Social e Programa Bolsa Família
A
Primeira República, também conhecida como República Velha – período
compreendido entre a Proclamação da República (1889) e o início da Revolução de
1930 –, termina com a deposição do então presidente Washington Luís pelo líder
da Revolução, Getúlio Vargas, que também impediu a posse de Júlio Prestes,
presidente eleito pela Assembleia Constituinte e assumindo o poder com a
instituição de um Governo Provisório (1930 a 1934). Em 1934 é eleito presidente
da República pela Assembleia Constituinte e no final do mandato, instaura o
regime ditatorial através de golpe militar e permanece no poder até 1945.
O
contexto histórico da época, marcado pelo temor da elite quanto à organização
da classe trabalhadora em torno de ideais socialistas e comunistas, foi
propício ao governo Getulista que, na dinâmica da industrialização e consequente
modernização do Estado, acomodou os interesses contraditórios da elite e da
classe operária, concedendo aos trabalhadores alguns direitos trabalhistas ao
mesmo tempo em que proporcionou as condições sociais e políticas para o
desenvolvimento econômico do país, conforme os interesses da classe dominante.
É nesse contexto que se origina o sistema de proteção social no Brasil, fato
que ensejou a referência conhecida como “Pai dos Pobres” a Getúlio Vargas.
A
inclusão dos trabalhadores no mercado formal, via carteira assinada, era a
garantia à proteção social, entretanto, Vargas vinculou os sindicatos ao
Ministério do Trabalho e instituiu a conhecida “cidadania regulada”, ou seja,
cidadania vigiada pelo Estado. As
décadas seguintes foram caracterizadas pela expansão da economia, e esse
período ficou conhecido como Era Desenvolvimentista que perdurou até a década de
1970, quando a economia entrou em crise.
Acreditava-se
que a industrialização imposta pelo capitalismo ao Brasil fosse capaz de, por
si só, promover a mobilidade social através da inclusão social dos grupos
marginalizados via incorporação deles ao mercado de trabalho formal e à
economia, entretanto, isso não ocorreu. Segundo Cohn (2004),
o que
mais ressalta aqui, e que merece ser resgatado, é que não só a pobreza não se
configurava como um fenômeno estrutural de nossa sociedade, como o papel
estabelecido para as políticas sociais era o de criar condições para o
desenvolvimento da economia.
Segundo
a autora a estratégia getulista consistia em atender os interesses do capital
criando um contingente de mão de obra qualificada para ser absorvida no
processo produtivo com vistas a proporcionar o crescimento econômico do país o
que resultava no acúmulo de capital, em atendimento aos interesses capitalistas.
Por outro lado, a pobreza, descaracterizada como uma questão de ordem
estrutural foi relegada à proteção residual do Estado e às entidades
Filantrópicas que a atendiam somente em caso de pobreza extrema.
O
modelo desenvolvimentista, ao contrário do que se esperava, proporcionou o
aumento da concentração de renda e uma nova demanda de excluídos sociais, ou
seja, trabalhadores (e suas respectivas famílias) até então incluídos
socialmente, que foram alçados à linha da pobreza, perdendo o vínculo com o
mercado formal, caracterizando uma nova exclusão social. É daí que surge o
conceito de vulnerabilidade social atribuído à massa de trabalhadores que
corria esse risco.
A
exclusão social, nas décadas de 1960 a 1980 é entendida como insuficiência de
renda para a satisfação de necessidades sociais básicas e ausência ou
dificuldade de acesso a direitos básicos como educação e saúde. Já nas décadas
de 1980 e 1990, com a introdução na literatura do conceito de nova exclusão
social, amplia-se também a sua abrangência para os setores econômico, político,
social e cultural.
No
entanto, uma nova expressão mais contundente da pobreza, enquanto questão
social, ocorre no início dos anos 90, os tão propalados “descamisados” do
Presidente Collor, trazendo para o discurso político oficial os segmentos
miseráveis da população, sem no entanto se traduzir numa agenda pública de ação
do Estado para seu enfrentamento. (COHN, 2004)
Só
no início do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) a pobreza é
incluída na agenda política, através do Programa Comunidade Solidária. Com a
estabilização da economia aliada ao desenvolvimento tecnológico, os serviços de
proteção social passaram a ser ofertados às famílias em situação de
vulnerabilidade a partir da estruturação de uma rede de atendimento
socioassistencial. O que ocorria, até então, era o atendimento assistencial, de
caráter temporário, às famílias vítimas de calamidades públicas como enchentes
ou secas. Consistia na distribuição de cestas básicas e água; estava vinculado
ao poder público local (Prefeituras) o que favorecia sobremaneira o
clientelismo (2013).
Tais políticas consistiam nas políticas residuais do
Estado. A estabilização econômica, o desenvolvimento do conceito de redes
estruturado pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação,
aliado ao conceito de empreendedorismo social e a partir dos preceitos firmados
pela Constituição de 1988, formaram o contexto onde se desenvolveram algumas
inciativas de combate às causas da pobreza, da exclusão e vulnerabilidades
sociais.
A
década de 1990 é assim, caracterizada pela implementação de programas de combate
à pobreza como o Programa Fome Zero e o Programa Bolsa Família, bem como por
“um relativo vazio no debate sobre o que venha a ser desenvolvimento social no
contexto atual” (COHN, 2004:3).
Continua
a autora explicando que esse vazio não significa ausência de preocupação, pois
a literatura brasileira sobre o tema é profícua. Os teóricos propõem duas
correntes, uma que pretende o desenvolvimento de programas com ênfase na
eficiência e eficácia para atingir o público alvo (pobres e extremamente
pobres) “com baixo custo e grande eficiência operacional”; e outra que
“enfatiza a dimensão da cidadania e da conquista dos direitos sociais,
acentuando portanto o caráter público dessas políticas e programas” (COHN,
2004:3).
As
políticas sociais públicas têm, então, por fundamento, o enfrentamento da
pobreza de uma massa populacional representativa, emergente do processo de
industrialização e do modelo capitalista neoliberal de organização social.
Nesse
contexto surgiu o Programa Bolsa Família, formado a partir da integração de
outros programas de transferência de renda criados anteriormente: auxílio gás,
bolsa escola, bolsa alimentação e cartão alimentação.
Segundo
Santana (2007), o Programa Bolsa Família
tem
como objetivo combater a fome e a miséria e promover a emancipação das famílias
mais pobres do país. Para tanto, o governo federal concede, mensalmente, um
benefício em dinheiro para as famílias selecionadas.
O
autor defende que o PBF foi concebido a partir do entendimento de que o usuário
deve ter autonomia na utilização do recurso que lhe é disponibilizado e também
habilidade de exercer a cidadania. Além disso, os usuários são capazes de
comportar-se
como agentes econômicos eficazes no mercado de modo a trazer benefícios não só
para si e sua família, mas para inserir-se num contexto mais amplo de relações
por meio das quais podem paulatinamente mitigar os efeitos de sua condição de
pobreza. (SANTANA, 2007)
Um
dos grandes desafios dos programas de combate à pobreza e à exclusão social no
Brasil é o do alcance de resultados de curto, médio e longo prazo, que sejam
capazes de interromper a transmissão geracional da pobreza e promover a
inclusão especialmente de grupos historicamente excluídos da sociedade
brasileira, como herança do Pré-Modernismo.
Criado
em 2003 o PBF atua em três eixos principais: 1. complementação de renda que
garante um alívio imediato às famílias através do benefício pecuniário recebido
mensalmente e, portanto, proporciona resultado de curto prazo 2. Acesso à
educação, saúde e assistência social através de condicionalidades, com o
intuito de garantir o acesso a direitos básicos oferecidos pelo Estado
(exercício da cidadania) e interromper a transmissão da pobreza geracional e,
assim, proporciona resultado de longo prazo, 3. Articulação com outras ações
como políticas públicas, contribuindo para a superação dessa condição.
O
Programa Bolsa Família tem gestão descentralizada. Está vinculado à pasta do
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e o pagamento é feito
através da Caixa Econômica Federal por meio de cartão magnético e, por esta
via, insere os usuários no sistema bancário contemporâneo. Tem como público
alvo famílias em situação de pobreza (renda per
capita entre R$ 85,01 a R$ 170,00 mensais) e de pobreza extrema (renda per capita de até R$ 85,00 mensais), que
tenham crianças ou adolescentes (entre 0 e 17 anos), gestantes e/ou nutrizes.
A
via de acesso a esse benefício socioassistencial é o cadastro único do Governo
Federal realizado pelo Distrito Federal e pelos municípios, porém o cadastro
não garante a adesão imediata da família ao Programa. A partir dos dados do
cadastro, obedecendo a certos critérios pré-determinados a seleção é realizada
por sistema informatizado, sem a interferência de qualquer pessoa. Os critérios
citados referem-se ao limite orçamentário destinado ao Programa, bem como ao
número de famílias já atendidas em relação ao total de famílias do respectivo
município.
A desvinculação da família ao PBF ocorre pelas vias: 1. Melhora do
rendimento mensal, 2. Falta de atualização cadastral, 3. Descumprimento das
condicionalidades impostas ou 4. Desvinculação voluntária.
O pagamento dos benefícios ocorre de acordo com os critérios abaixo:
Tipo de benefício
|
Situação da
Família
|
Renda/ ocorrência relativa aos membros
|
Condições
|
Valor
|
Básico
|
Extrema Pobreza
|
Renda: até R$ 85,00
|
Não há
|
R$ 85,00
|
Para superação da pobreza extrema
|
Extrema Pobreza
|
Renda: até R$ 85,00
|
Renda mensal inferior a R$ 85,00 mesmo quando
somada a outros benefícios do programa
|
O valor do benefício depende do caso e do nº de
membros na família.
|
Variável
|
Pobreza:
|
Renda: entre
R$ 85,01 e R$ 170,00 e com criança ou adolescente entre 0 e 15 anos
|
Frequência escolar (crianças e adolescentes)
|
R$ 39,00
Por cota (limite:
até 5 membros)
|
Variável
|
Pobreza
|
Renda: entre R$ 85,01 e R$ 170,00 e com gestantes
|
Gravidez identificada pela área de saúde
|
9 parcelas de
R$ 39,00
|
Variável
|
Pobreza
|
Renda: entre R$ 85,01 e R$ 170,00 e com crianças
de até 6 meses de idade
|
Inclusão da criança no cadastro único com a idade
de até 6 meses
|
6 parcelas mensais de
R$ 39,00
|
Variável
|
Pobreza
|
Renda: entre R$ 85,01 e R$ 170,00 e com
adolescentes com 16 ou 17 anos de idade
|
Frequência escolar
|
R$ 46,00 (limite: até 2 por família)
|
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