A família
homoparental: uma história de estigmas e lutas
A questão
homoerótica, ao longo da História é vista como caso de polícia pela
Criminologia, como desvio de comportamento pela Psicologia, como doença pela
Medicina e como pecado pela Igreja, dentre tantas outras visões. Foi a partir
do século XIX que a homossexualidade ganhou visibilidade na sociedade Moderna,
influenciada por dogmas religiosos, onde o próprio sexo era alvo de enorme
preconceito. Segundo Toniette apud Costa (2006):
A
atração afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu ao longo da
história da humanidade, nas mais diferentes sociedades e culturas, e nem sempre
foi considerada algo indesejável ou doentio. A influência do modelo higienista
a partir do século XIX construiu a figura do “homossexual” em um contexto
médico-legal, psiquiátrico, sexológico e higienista – de onde o próprio
conceito surgiu – com a função de ser a antinorma do ideal de masculinidade
requerido pela família burguesa oitocentista, que dividia os indivíduos entre
suas preferências hétero ou homossexuais (COSTA, 2004), sendo que tais questões
nada tinham de teóricas, mas sim, questões vinculadas ao aspecto jurídico-legal
que tratava dos limites histórico-sociais do ideário burguês, então triunfante
e em pleno apogeu (COSTA, 2002).
A
Medicina extrapolou os seus limites de atuação e chegou ao campo moral,
acreditando-se que daí provinha os “desvios sexuais”. O homossexualismo foi
então, incluso na lista de CID e essa parcela da população, rejeitada e
estigmatizada vivia à margem da sociedade. Com o advento da “pílula
anticoncepcional”, na década de 1960, o sexo é desvinculado da finalidade de
reprodução e passa a ser focalizado no aspecto do prazer. Nessa década, ainda o
Movimento Feminista ganha força e influencia a comunidade homoerótica que,
segundo Toniette (2006), “surge em defesa de direitos, reforçando a contestação
da heterossexualidade compulsória”. De forma tímida, os homoeróticos passaram a
se reunir em “guetos” e bares. O marco do movimento homossexual moderno foi em 28
de junho de 1969, em Nova York:
durante
uma batida da polícia de Nova York em um bar frequentado por gays, o Stonewall,
em Greenwich Village, cansados de humilhações e perseguições, os gays que
estavam no bar resistiram à polícia, trancando os policiais dentro do bar e
ateando fogo ao recinto. A batalha, que tinha pedras e garrafas como armas e
envolveu milhares de pessoas, durou toda a madrugada do dia 28, prolongando-se
até o início do outro mês. Um ano após a rebelião, 10 mil gays, provenientes de
todos os estados norte-americanos marcharam pelas ruas de Nova York,
demonstrando que estavam dispostos a seguir lutando por seus direitos. Diante
desse fato, o dia 28 de junho foi instituído como o Dia Internacional do
Orgulho Gay (OLIVEIRA apud PEDRINI e
JÚNIOR, 2012)
Extrapolando
a área da saúde, o homoerotismo era prescrito pelos psiquiatras como ““inversão
congênita ou psíquica” (Trevisan, 2006, p. 179), assim, a homossexualidade
passa também à categoria identitária” (Pedrini e Júnior, 2012).
Em 1973
– 83 anos após a criação do diagnóstico homossexualismo
– a Associação Psiquiátrica Americana, em um ato simbólico, excluiu o homossexualismo enquanto doença, desvio
ou perversão do Diagnostic and
Statistical Manual – DSM, abrindo espaço para o reconhecimento de novas
definições sobre a homossexualidade. O
termo agora agrega o sufixo –dade, que
traz consigo o significado de “forma de expressão”” (Toniette, 2006).
No Brasil, o movimento homossexual tem início
na década de 1970 e em 1978 é criado o grupo Somos, primeiro grupo de militância homossexual do país que acabou
por influenciar o surgimento de outros grupos, em vários estados brasileiros.
Foi uma década marcada por movimentos cujos ideais eram democráticos e
anti-ditatoriais e reivindicava-se especialmente liberdade (de expressão e
liberação sexual). Por outro lado, a repressão do regime militar foi igualmente
característica.
Em
1985 o Conselho Federal de Medicina associou a homossexualidade ao código 206.9
da C.I.D. (Classificação Internacional de Doenças), ou seja, segundo (Toniette,
2012), a homossexualidade foi associada “a “outras circunstâncias
psicossociais” juntamente com o desemprego, desajustamento social e tensões
psicológicas”. Assim, o homoerotismo deixou de ser considerado “desvio sexual”.
No
final da década de 1980 e início da década de 1990, com a redemocratização do
Brasil, a causa homossexual ganha visibilidade com o surgimento do HIV/AIDS e a
comunidade homoerótica se une para o combate da doença que fez milhares de
vítimas. Apesar de a homossexualidade ser relegada ao grupo de risco, na
contemporaneidade, se diz, segundo (Toniette, 2006), “comportamento de risco, independente da orientação do desejo sexual
– homo, hétero ou bissexual”.
Em 1999
o Conselho Federal de Psicologia aprova a resolução 001/1999 através da qual
normatiza os procedimentos que devem adotar os psicólogos com relação à questão
de orientação sexual. Do referido documento destacam-se:
Art. 3º
Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente
a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
§ Único
Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e
cura das homossexualidades.
Art. 4º
Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos
públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos
sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer
desordem psíquica (CONSELHO, 1999).
Em
novembro de 2001 foi sancionada a lei estadual 10.948 que dispõe sobre as
penalidades para autores de discriminação em razão de orientação sexual, seja
pessoa física ou jurídica. Essa lei vige no Estado de São Paulo atualmente.
No
contexto mundial, a Dinamarca é o primeiro país a reconhecer juridicamente a
união homossexual em 1989. A partir daí outros países passam a fazer o mesmo.
Outros vão além e instituem o casamento legal entre homoeróticos que têm ainda
a possibilidade de adotar filhos, legalmente. É o caso da Suécia, Holanda,
Bélgica, e outros. (Toniette, 2012)
No
Brasil a família homoparental pode ser constituída legalmente desde o ano de 2011
quando, em 05 de maio daquele ano, o Superior Tribunal Federal (STF) reconheceu
a união estável homoafetiva. Entretanto, muitos Estados brasileiros,
continuaram a negar esse direito à comunidade LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais, etc.), uma vez que nem o STF foi unânime quanto ao
reconhecimento legal desse tipo de união. Foi quando, em 13 de maio de 2013 o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da resolução 175 tornou obrigatório
aos cartórios que abrangem todo o território nacional converterem a união
estável em casamento bem como realizarem o casamento homoafetivo (FARAH, 2014).
Em
que pese essas conquistas políticas e sociais que corroboram para o
fortalecimento de uma identidade positiva da comunidade LGBT, o preconceito e a
discriminação dividem a sociedade. No Brasil ocorreram 326 mortes em
decorrência de homofobia. Segundo pesquisa realizada pela agência de mercado e
inteligência Hello Research em 2015, que entrevistou 1.000 brasileiros acima de
16 anos de idade, de todas as classes sociais e em todas as regiões do país,
houve apenas 30% de aprovação quanto ao casamento entre homoeróticos, 21%
alegaram indiferença e 49% dos entrevistados se posicionaram contra. (Folha de
São Paulo, 2015).
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