Serviço Social é Caridade sim! – Parte
I
A frase
“Serviço Social não é caridade” motivou-me a escrever essas linhas. Tenho a
pretensão de chamar a atenção especialmente dos profissionais da área social e
também dos alunos de graduação em Serviço Social para essa reflexão. Concordem
ou discordem, pensem, conversem a respeito, deixem comentários.
Eu vos convido
a um debate.
Dividi
este artigo em quatro partes numa tentativa de ampliar a visão que se tem a
respeito de caridade, assistencialismo e defesa de direitos relacionados à prática profissional do
Assistente Social. E no quarto texto desafio o profissional e o estudante a
lançar o olhar sobre as estruturas ideológicas que baseiam, que fundamentam a
ideia contida nesta frase. Qual a intenção subliminar que está por trás dessa
construção?
Caridade
Segundo
o dicionário on-line de português, caridade é: disposição para ajudar o
próximo; tendência natural para auxiliar alguém que está numa situação
desfavorável; benevolência, piedade.
Essa
definição está claramente posta no plano existencial humano, ou seja, são
características inerentes do ser humano de bem, no atual estágio de evolução
das civilizações. É condição natural do ser humano dispor-se a ajudar seu
próximo. Isso implica na sensibilidade para o reconhecimento de que o outro
encontra-se em situação desfavorável. O próprio termo benevolência remete à
bondade, à piedade no sentido de reconhecer e ser solidário com aquele que
sofre.
Esse
conceito também envolve o respeito. Envolve o patamar em que colocamos o
usuário em relação a nós mesmos. Será que o colocamos em igualdade? Ou nos
sentimos superiores, com direito de apontar suas imperfeições morais, suas
limitações quanto à gerência da própria vida? O quanto nossas ações constrangem
os usuários dos serviços? O quanto praticamos o conceito de igualdade, direito
humano que defendemos ardorosamente na teoria?
Assim
como o homem evoluiu intelectualmente do estado primitivo ao estágio atual e,
sendo decorrência dessa evolução o desenvolvimento dessas competências morais,
o Serviço Social, surgido em um momento específico da história da humanidade,
igualmente foi concebido primitivamente, se comparados aos padrões atuais, conforme
a visão de mundo e o contexto socioeconômico e cultural da época de sua
emergência social.
Gostando
ou não, suas origens advêm do assistencialismo que era dispensado aos
extremamente pobres pela Igreja católica europeia, no final do século XVIII, que
assumiu o papel de assistir aos necessitados extremos, em comum acordo com o
Estado e com a burguesia, propondo conter a população de trabalhadores para que
não se revoltassem contra a estrutura capitalista industrial nascente.
No
Brasil, na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, foram concedidas pelo
trio Estado-Igreja-burguesia migalhas beneficentes aos trabalhadores que foram
contidos e se mantiveram subjugados pela classe dominante.
O
acesso aos serviços públicos eram garantidos apenas para os trabalhadores com “carteira”,
ou seja, para os colaboradores do capitalismo nas indústrias que rapidamente se
instalaram em território brasileiro. Os demais, eram excluídos do sistema de
direitos e criaram um fluxo paralelo chamado de mercado informal.
Foi
nesse contexto que surgiu o Serviço Social. Era a instituição que deveria
intermediar as relações entre patrões e empregados a fim de manter os
trabalhadores servindo ao sistema capitalista. O homem era visto como o único
responsável por sua condição desfavorável, originária de suas imperfeições
morais. As práticas interventivas eram carregadas de conceitos moralistas que puniam
e visavam corrigir moralmente o usuário.
Somente
há algumas décadas, a rudeza do militarismo fez amadurecer na sociedade, a
ânsia pela liberdade, pela igualdade e fraternidade, ideais iluministas do
século XVIII. Assim, uma mudança estrutural ocorreu no Serviço Social como
instituição que elegeu como seu novo objeto as expressões da questão social. Isso
equivale a dizer que houve uma mudança nessa visão preconceituosa a respeito do
usuário. Compreendeu-se que o homem é vítima do modelo de produção econômica
capitalista que o remete à pobreza destituindo-o da riqueza que ele produz e à qual não tem acesso. Um
dos resultados dessa tomada de consciência foi a luta que resultou na eleição da Assistência Social
como um dos tripés da seguridade social, declarada na Constituição Federal de 1988.
Entretanto,
assim como os direitos humanos de primeira geração (de liberdades públicas) e de
segunda geração (sociais e econômicos) a mudança de paradigma do Serviço Social consta igualmente declarados na Constituição de
1988 mas estão longe de serem efetivados na sociedade, pois ainda é
muito forte a visão antiga do homem imoral e a propensão à puni-lo com desqualificação,
constrangimento, visão parcial da sua situação na prática do assistente social.
Em
outras palavras, a caridade é a inclinação natural de todos os seres humanos em reconhecer o sofrimento alheio e dispor-se a aliviar esse sofrimento de alguma forma e para tanto, se utiliza das ferramentas profissionais que inclusive, lhe são exigidas pela ética. Dentro desse conjunto, destaca-se o subconjunto
dos profissionais do Serviço Social cujo perfil traz muitos desses elementos.
Entretanto, este subconjunto não é homogêneo, pois nem todos os profissionais se
adequaram ao novo paradigma construído.
Portanto,
a caridade é intrínseca à condição humana e cabe em todas as nossas ações.
Penso
que na frase “Serviço Social não é caridade”, o que se pretendeu dizer é que
Serviço Social não é assistencialismo.
Essa
discussão fica para o próximo texto. Acompanhe.
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